sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O santo capricorniano

Em dia de Sol em Capricórnio e Lua em Leão celebramos a data de um santo que atravessou quase dois mil anos de história. Santo Antão viveu dilemas e provações não diferentes das nossas e consagrou sua vitória à disciplina e persistência como bom capricorniano. Sua história inspirou de lendas medievais a pinturas renascentistas, de Bosch até Salvador Dali, atravessando o tempo. Na pintura de Domenico Morelli (1826-1901), ele aparece arrependido, após ter dormido com as mulheres sob a coberta. A dor da culpa assola a alma do santo que tentava ser asceta. Quantas vezes provaremos as tentações do caminho? A disputa e a vitória serão sempre sobre nós mesmos.
No céu desta sexta-feira o Sol passeia pelos últimos graus de Capricórnio e a Lua atravessa o signo de Leão. Entre razão e emoção um antagonismo vivido por nós, seres mundanos e santos de toda a história. De um lado os esforços que devemos fazer, a concentração, o foco, o trabalho duro, a determinação, a disciplina e as restrições em nome de uma vida correta, moral, verdadeiramente consistente e significativa. Do outro, a luxúria, os prazeres, os desejos e quereres, e a expressão do sujeito como centro do universo. Capricónio versus Leão.

"Nem tudo o que reluz é ouro". A primeira obra é a pintura de um dos primeiros mestres do Renascimento italiano, Fra Angelico (1387-1455). Santo Antão vê uma pedra que parece ouro, ele estaria sendo tentado pelas próprias ilusões. O afastamento da pedra mostra o quanto o padre era esclarecido.
 Na história a disputa entre o ascetismo e o hedonismo são temas da filosofia, das artes e das religiões. No dia de hoje, 17 de janeiro, é celebrada a data de Santo Antão, também conhecido como Santo Antão do Egito, do Deserto, o Grande, o Eremita ou o Pai dos Monges. A data é celebrada de forma mais vigorosa entre os católicos coptas egípcios, afinal era um santo "de casa". Seu nome original era Antônio, mas para não ser confundido com Antonio de Pádua ganhou um "apelido" carinhoso. Reza a lenda que ele teria vivido 105 anos, certamente uma metáfora sobre o tempo, aspecto fundamental que rege a vida do santo capricorniano e de todos os capricornianos sempre preocupados com o tempo das coisas. 
A mais famosa das obras sobre as Tentações é a de Hieronymus Bosch (1450-1516), num quadro que antecipou em mais de 400 anos o movimento surrealista. Bosch foi um dos mestres de Flandres, região próspera, parte da rota comercial europeia. A cidade foi para Bosch influenciou o quadro quando se vê o progresso, com navios e outros objetos no ar, já que a época dava início às grandes navegações; a guerra e o apocalipse, temores populares presentes no fim do século XV. O ambiente onírico ou a representação de figuras dos sonhos; e os demônios que habitavam o imaginário medieval estão presentes na tela. Santo Antão encontra-se ajoelhado, em penitência, resistindo às tentações e seres bizarros à sua volta. Bosch, nesse quadro, não retrata o belo, e sim o que causa nojo, estranheza.
Tal qual o bode (o animal que representa a saga deste signo) ele reconheceu sua função bem cedo e decidiu tornar-se eremita. Fervoroso, Santo Antão teria compreendido as lições do evangelho e entregue todos os seus pertences aos humildes por volta dos 20 ou 21 anos, durante a segunda quadratura natural de Saturno, planeta regente de Capricórnio, e que coloca em cheque a vida de todos nós por volta desta idade. A pergunta "afinal o que farei da minha vida" é feita por todos nós próximo desta idade e na vida do santo não foi diferente. O primeiro Padre do Deserto viveu entre o segundo e o terceiro século depois de Cristo, mas suas histórias de tentações no deserto egípcio trespassaram quase dois mil anos, tornando-se extremamente popular, entre o imaginário mitológico medieval e posteriormente entre os renascentista. 
Tentação de Salvador Dalí (1904-1989). As mulheres e os monstros, os medos de Santo Antão, tomam proporções colossais no ambiente dos sonhos. Duas figuras pequenas aparentando uma discussão significam as disputas internas do cristianismo.
Como capricorniano focado ele recusou os prazeres mundanos para atingir sua evolução espiritual. Uma atitude simbólica que ronda o íntimo dos capricornianos de tendência mais espiritualista, já que muitos tomam o mesmo caminho, entre católicos, budistas, evangélicos ou seguidores de qualquer outra religião ou linha filosófica. O alto da montanha ou no caso do santo, o deserto, entre as areias do tempo, foi o cenário para seu encontro consigo e com a divindade. Lá ele foi tentado por demônios de toda a natureza, entre hienas assustadoras, mulheres atraentes, animais pavorosos e monstros inacreditáveis; enfrentou "suas" tentações e saiu vitorioso graças a sua determinação. Uma passagem interessante de São Antão pelo deserto é seu encontro com outro eremita, São Paulo de Tebas que não falava com ninguém há algumas décadas. 
Pieter Huys (1519-1584) faz o retrato de um Santo Antão analítico, tranquilo e sereno, medindo os pesos para saber o que eram ilusões e quais eram os verdadeiros problemas de seu tempo.
Nesse dia os dois foram alimentados por um corvo que trazia do céu um pedaço de pão e em seguida Antão assistiu à morte de Paulo, enterrando-o com a ajuda de leões, ou de Leão (as solares qualidades da lealdade e da generosidade). A luta pessoal e o exemplo espiritual do combate à luxúria e os fantasmas pessoais se tornou não só a história dele, mas de tantas pessoas que vivem a mesma saga interior. E na mente e no coração dos artistas que na literatura astrológica são regidos pelo signo de Leão, Antão se tornou obra prima nas mãos de mestres como Heronymus Bosch, Pieter Brueghel, Salvador Dali, Max Ernst, Matthias Grünewald, Diego Velázquez e Gustave Flaubert. 
Paolo Veronese (1528-1588) detalha uma mulher com músculos e um ser parecido com um sátiro (ou pan, animal presente no repertório simbólico de Capricórnio), que carregam Santo Antão provavelmente para a alcova. Nesta cena, apesar de forte fisicamente, ele não resiste à ação dos demônios. Quantos pânicos Antão teria vivido?

Nas pinturas o santo era retratado ora como sujeito vencedor, ora como vencido, representando um dilema que atravessa séculos: o materialismo versos o espiritualismo. Imagens que atravessaram o tempo e contaram de geração a geração uma história super humana, talvez a maior das histórias. As tentações de Santo Antão não foram diferentes das de Cristo ou mesmo das de Buda antes de alcançar o despertar. E por vezes não é diferente das tentações que enfrentamos diariamente. Em dia de Sol em Capricórnio e Lua em Leão celebramos o exemplo da vitória que vem do tanto esforço e da dedicação. Na idade média, no renascença ou nos tempos atuais as tentações só mudam de nome e forma, mas nossas lutas contra certos demônios continuam as mesmas. É por isso que histórias como essa sempre nos tocarão intimamente. Que Santo Antão nos inspire e nos proteja de todo o mal.
Aline Maccari
O gênio espanhol do barroco Diego Velásquez (1599-1660) retrata o episódio de Santo Antão e São Paulo de Tebas, com o corvo trazendo do céu o pão que os alimentou no deserto. Do lado esquerdo, próximo ao rio, Antão enterra Paulo com a ajuda dos leões. Velásquez brinca com as concepções de tempo e espaço: num mesmo retrato, dois episódios ocorridos em tempos diferentes, espaços diferentes e com os mesmos personagens. Paulo de Tebas está vivo em primeiro plano e morto em segundo.
O mestre Michelangelo (1475-1564) pintou suas Tentações aos 14 anos, a partir de uma gravura do excepcional gravurista alemão Martin Schongauer. Santo Antão está dominado e ao mesmo tempo sendo levado ao céu pelos demônios. Este pode ser um dos quadros mais antigos do santo.
 Salvator Rosa (1615-1673). Santo Antão está numa posição de derrota certa, mas mesmo assim enfrenta os monstros com uma cruz, uma verdadeira arma. Nossas quadraturas no mapa natal também são armas poderosas. Que não seja contra nós mesmos, mas contra nossas fraquezas. Se as conhecemos podemos dominá-las.

As Tentações de Paul Cézanne (1839-1906) reflete um pós-impressionismo erotizado, com o monge Antão tentando resistir aos encantos das formosas mulheres. Não fica claro se ele cede ou foge das tentações da carne. Essa inconclusão é óbvia no contexto do impressionismo.

 * Fonte: Artigo: As tentações de Santo Antão de Alberto Sartorelli
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