quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Síndrome do Pânico

Pã, o sátiro (nome grego), o fauno ou lupercus (nomes romanos) são o mesmo personagem da mitologia. Representado por uma imagem antagônica ele é metade homem e metade cabra. Algumas versões dizem que Pã era filho de Zeus com a cabra Amaltéia e outras afirmam que ele teria sido filho de Hermes e teria adotado como mãe a casta Penélope. Pã é o deus das florestas, o deus pastor que cuida das ovelhas, mas que no fundo cuidaria dos nossos instintos mais primitivos. Do latim faunus representa o "favorável", o "destino" ou mesmo o "profeta", segundo alguns autores. De aspecto bestial ele nos lembra dos terrores da noite e nos deixa em pânico à primeira nota musical de sua flauta.
Pedro Weingärtner - Oferenda ao deus Pã -1894
Foram muitas as pesquisas até encontrar um todo narrativo que fizesse algum sentido sobre o deus ou semi-deus. Porque Pã é um incompreendido, um perseguido. Várias versões imagéticas do diabo tem como inspiração seu aspecto bizarro, como os chifres e patas caprinas. Pela mãe, ele foi abandonado. O pai, Hermes, o teria levado para conhecer Bacco que o adorou à primeira vista. O fauno, tão contraditório é também um deus do sexo, da libido, do gozo, do prazer, da alegria, das festas, da aventura e de tudo o mais que possa se traduzir no "indomável", cheio de vitalidade. Ele é um dos mais poderosos instintos que se entrega à vida.
Chanson D'Amour - 1944 - Louise D'AussyPintaud -  Pã é um deus orgásmico
E talvez em nome desse instinto poderoso cometêssemos tantos pecados. É aquele que quer ardentemente viver a vida nas formas mais amplas, desenfreadas e apaixonadas. No entanto, se encarcerado, ele se torna vítima de seu pior aspecto. É quando sua vitalidade se vira contra ele mesmo. Muito por isso quem tem síndrome do pânico vive momentos de terror, como se tivesse dentro de si um bicho voraz, sem  controle, sombrio, impiedoso e mortal. Quando deveria viver dias de liberdade, gozo, paz e comunhão com a natureza. Uma das coisas mais curiosas que encontrei sobre ele, depois de tantas buscas, foi que, coincidentemente, os romanos o celebravam justamente hoje (14 de fevereiro) e então mais 3 ou 4 dias de festa se seguiam. 
Cartaz do filme espanhol "O labirinto do Fauno"
O festival pastorial se chamava Lupercália ou Festas Lupercais, onde a palavra "lupanar" significaria “bordel” em latim.  O objetivo da festividade era evocar o fauno para espantar os maus espíritos e purificar as cidades e vilas, afastando as sombras, talvez coletivas e pessoais. A festa, assim como quase todos as "big parties" pagãs de que ouvimos falar tem caráter extrovertido e lascivo, onde é proibido proibir e a luxúria reinava. Não é fácil entender a diferença entre o tipo de celebração ou oferenda feito a Bacco ou a ele, Pã. Por volta do ano 270 depois de Cristo, a Santa Igreja teria absorvido parte do conteúdo da festa pagã na história de São Valentim, o santo que promovia casamentos escondidos entre os apaixonados que fugiam para viver uma vida a dois. Certamente o instinto sexual do bicho primitivo foi adocicado, domesticado, elevado e se transformado em algo " mais digno" ou "sublime": o amor. 
Preludio à tarde de um Fauno - um poema sinfônico impressionista de Claude Debussy
É por isso que em muitos países europeus é celebrado em (14 de fevereiro) o "Dia dos Namorados". Algum tempo depois a fusão das duas festas produziria uma terceira, onde a paixão e a sombra pecaminosa do sexo se fundem na festa da carne: o Carnaval. Assim, a data de hoje fala de amor e sexo, de instintos primitivos e entrega, de medo e coragem, mas sobretudo da vida que precisa ardentemente de alguns dias, uma pausa, para ser vivida em sua plenitude, em todos os seus aspectos, até que nossas forças sejam esgotadas por todos os prazeres do mundo, os divinos e os profanos. 
O cartaz de 1864 tem no topo direito a imagem de um "pequeno demônio" entregando um envelope. A imagem celebra o dia de São Valentin








C*

Psicologia Arquetípica

Carl Jung diz que vivemos e morremos pelos mitos que nos habitam. É como se de alguma maneira nossa psique profunda funcionasse em seu aspecto mais incompreensível, submetida a essas narrativas antigas. A Síndrome de Pã se tornou doença assim como tantas outros sofrimentos psíquicos ou físicos, a partir do momento em que matamos o deus que vive dentro de nós. Independentemente de que deus seja esse que mora no nosso mais abissal inconsciente, ele sempre dá vestígios de quem é. É por isso que a frase "conhece-te a ti mesmo", inscrita no oráculo de Delfos, faz tanto sentido. Se não nos conhecermos em profundidade, não seremos capazes de ouvir esses chamados profundos da alma, onde moram algumas das nossas mais puras verdades. Quando os atributos e desejos do deus antigo são integrados à vida, podemos viver com mais inteireza, pois ele está sendo respeitado, reverenciado e alimentado. Se somos feitos de deuses, temos que ouvi-los. Mas, as sociedades modernas, submetidas ao pensamento científico positivista europeu, perderam sua capacidade de escuta, fala e comunhão com esse tipo de conhecimento. O sociólogo francês Michel Maffesoli fala do reencantamento do mundo na atualidade. Um período em que cansados das "não respostas" da ciência para grandes dilemas, voltamos ao antigo em busca de sabedoria e compreensão. É por isso que a astrologia e a mitologia tem voltado a fazer profundo sentido em nossas vidas. Porque a sabedoria antiga tinha verdades absolutamente consistentes sobre a importância do imaginário em nós.
A Síndrome do Pânico, seria como tantos outros sofrimentos psíquicos, um tipo de "possessão arquetípica" (não se impressionem com o termo), onde o sujeito fica rendido ao deus. É como se o deus tivesse sido abafado por tanto tempo, tão incompreendido, habitando as catacumbas do ser, que quando ele surge, vem violento e irrompendo todo e qualquer controle. Seus ataques são aterradores. Palpitações no peito, sudorese, vertigem, desmaios, senso de despersonalização, agorafobia e nos piores casos uma sensação premente de que a morte é o próximo passo. Os ataques podem ser tão violentos que o sujeito não consegue distinguir entre a ameaça e a realidade. É como se ele estivesse morrendo naqueles minutos em que o ataque acontece. E é uma verdade psíquica tão real, que não há quem venha socorrer que o convença do contrário. O sujeito, em sua realidade pessoal está de fato sendo ameaçado à morte, como se estivesse no meio de uma cena de sequestro. O ataque não é necessariamente de medo, mas de aniquilação. É a certeza de que o sujeito está a morrer. Por isso, após o ataque, segue-se um medo intenso, a correr debaixo da pele e em pensamentos repetitivos de que aquela cena voltará e que ele morrerá. Muitas pessoas que passam por essa experiência deixam de fazer várias atividades do dia a dia, inclusive deixam de sair de casa, com receio de que os ataques aconteçam novamente. Nessas horas, parece que tudo o que Pã deseja é voltar à floresta da alma, um lugar de liberdade e prazer. Por isso é muito saudável passear por parques, entre as árvores, sentir o sol no rosto, ouvir o barulho dos pássaros, enfim, sair da loucura das grandes cidades, armadilha perfeita para o fauno. Mas, sempre no seu tempo, sem pressa. Se hoje foi bom passear por cinco minutos ao redor das árvores, mantenha o ritmo. Nessas horas o sujeito precisa voltar a se ouvir, se reconectar consigo mesmo, ouvir suas intuições e ir tentando voltar às suas atividades com muita delicadeza. Parentes e amigos precisam ter a dimensão da situação. Os ataques de pânico são um ataque de morte simbólica. E por isso o sujeito precisa ser amparado com amor e carinho, nada de tentativas súbitas de convencê-lo de que isso é uma mentira. Pois tudo o que acontece na mente é real, absolutamente real, tanto quanto os delírio provocados pelas drogas ou um pesadelo. Enquanto eles acontecem eles são reais.
Pã nos convida a sair das grandes cidades, da selva de pedra, para voltar à natureza e seus movimentos tão peculiares. Alimentação, exercícios e vida conectada, tranquila e prazerosa são tudo o que Pã precisa.

É importante que se diga que as sociedades modernas estão completamente despreparadas para a compreensão dos sofrimentos psíquicos, tanto é que foram taxadas de "doenças mentais". É fundamental que se perceba que há inúmeras possibilidades de perceber o real, e que a própria realidade é absolutamente subjetiva; cada um irá senti-la à sua maneira. Em tempos antigos cenas como essas eram típicas de uma ruptura xamânica, uma experiência de amadurecimento psíquico do sujeito para elevá-lo a outros níveis de consciência, que o fariam entender a vida em outras dimensões. A Síndrome do Pânico, assim como outros dilemas não são problemas. São formas especiais de perceber a vida em sua profundidade. Joseph Campbell trata disso em O Mito do Herói. Ele afirma que em várias tribos antigas e em culturas variadas, são as pessoas que passam por esse tipo de experiência em suas vidas que estão mais preparadas para compreender certos aspectos da realidade. E que se orientadas, já que as tribos antigas compreendiam o teor dessa experiência, podem sim se tornar curandeiros, xamãs, conselheiros, psicólogos, religiosos ou na melhor das hipóteses alguém que tem muito mais sabedoria e compreensão da fragilidade, mas também da riqueza da vida. A Síndrome do Pânico, incrivelmente vista desta perspectiva pode parecer mais uma graça que uma desgraça. Cabe ao sujeito perceber essa experiência em si e saber como lidar com ela. Há situações em que Pã pode atravessar o seu caminho e mudar o curso das coisas. Há situações em que o sujeito vive a experiência de Pã e depois de algum tempo volta às suas atividades, carreira e família. Independentemente de qualquer forma como experienciemos isso, sendo em nós ou em nossos familiares, é preciso calma e sabedoria e preferencialmente uma boa dose de sabedoria antiga. Os tratamentos tradicionais envolvem antidepressivos que podem ser bastante nocivos ao corpo. Sem falar em seus efeitos colaterais que dilaceram os sujeito, que perde sua memória de curto prazo e sua libido. O que é de um profundo antagonismo. Logo Pã que é um "ser" tão libidinal. Entenda-se libido dentro da perspectiva junguiana, em que para além do desejo sexual, a libido é a vontade de viver e gozar projetada em outras atividades. Para a Síndrome do Pânico, o tratamento terapêutico psicológico é altamente recomendado. Um certo resguardo também. Pois vivemos em uma sociedade que não está preparada para tais experiências.


No vídeo o psicanalista Christian Dunker trata da dimensão do entendimento da saúde mental de uma perspectiva histórica e cultura. Não deixe de assistir.

* Gostaria de agradecer aos professores Ajax Salvador e Marcos Callia pelas generosas informações trazidas. A obra de Carl Jung, Joseph Campbell e Junito Brandão são também as referências para a construção deste texto. Fique à vontade para compartilhá-lo com quem precisa ter conhecimento sobre o assunto e por favor mantenha a integridade de seu conteúdo. Se for compartilhá-lo não se esqueça de citar a fonte.
Muito obrigada
Aline Maccari
Jornalista, Astróloga, Pós graduada em Psicologia Junguiana


link: http://www.youtube.com/watch?v=EvnRC7tSX50&list=PL8q-_OK4SznUkCFezXzZK6Sn8YsaYy7G3



*Assim na Terra como no Céu! A astrologia faz todo o sentido por que microcosmos e macrocosmos tem uma relação íntima entre si. O que acontece entre os astros, repercute simbolicamente em nossas vidas, todos os dias. Essa "psicologia antiga" funciona como uma verdadeira bússola nos orientando na nossa jornada. Para entender melhor a si mesmo entre em contato com A Astróloga pelo e-mail aastrologa@gmail.com  

* Os posts são publicados no blog "A Astróloga", no Facebook e no Instagram. Compartilhe preservando frases, fotos e vídeos propositalmente relacionados aos conteúdos, além de citar as fontes. 
* Aline Maccari é jornalista, cronista e astróloga, com pós graduação em psicologia junguiana. Para saber mais visite o blog www.aastróloga.com.br

CRÉDITOS: Pesquisa e arte: Aline Maccari, Déia Francichetti e Tana Miller.
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