O dia leva o tom de uma preparação. É como se algo importante estivesse prestes a acontecer. Hoje, Mercúrio retrógrado sai de Peixes, volta para Aquário, e por lá fica até o dia 17 de março. Imediatamente o Sol ganha a força de uma conjunção profícua com Mercúrio, o deus da palavra, do raciocínio, das viagens e dos negócios acionando mecanismos que movimentam a vida que parecia estagnada. Com o fim da quadratura entre Sol e Saturno os caminhos também ficam mais visíveis e desimpedidos.
Especialmente amanhã, dia 14 de fevereiro, a Lua Cheia em Leão forma natural oposição ao Sol em Aquário à partir das 19:42 até a meia noite de sábado. No céu o eixo Aquário - Leão traz algumas reflexões importantes sobre a minha própria expressão criativa, meus desejos e mandos em oposição ao desejo de um grupo, do coletivo, da maioria que pode ser tão mais importante que um único querer. De um lado estará o artista e do outro a platéia; as vozes a serem ouvidas e os que precisam escutar. Em tempo de grandes manifestações em massa, da Ucrânia ao Brasil, um dia de Lua Cheia entre Leão e Aquário não é algo que se despreze. Nesse impasse também poderá haver frieza, tirania, mas também generosidade e lealdade, além de tristeza e alegria. No fundo, a única coisa que se pode desejar de alguém, do fundo do coração, é que se cumpra sua missão: que encontre o caminho do meio. Faria anos hoje Agostinho da Silva, filósofo e poeta português que escreveu como poucos sobre um dos temas favoritos desse mês: a liberdade. Escolher uma de suas reflexões para ilustrar o ritual de preparação do dia de hoje não foi fácil. Por isso optei por dois textos. Quem tiver tranquilidade interior poderá se beneficiar com suas ponderações.
Aline Maccari
Agostinho da Silva, poeta e filósofo lisboeta passeando pelas ruas da cidade. Se vivo estivesse faria aniversário hoje. Toda poesia aquariana fala de Prometeu. |
O Nosso Desejo de Liberdade não é Sincero
Se estamos todos muito bem
preparados para reclamar liberdade para nós próprios, menos dispostos parecemos
para reclamar sobretudo liberdade para os outros ou para lhes conceder a
liberdade que está em nosso próprio poder; se conhecêssemos melhor a máquina do
mundo, talvez descobríssemos que muita tirania se estabelece fora de nós como
se fosse a projecção ou como sendo realmente a projecção das linhas
autocráticas que temos dentro de nós; primeiro oprimimos, depois nos oprimem;
no fundo, quase sempre nos queixamos dos ditadores que nós mesmos somos para os
outros; e até para nós próprios, reprimindo todas as tendências que nos parecem
pouco sociais ou pouco lucrativas, desejando muito que os outros nos vejam como
simples, bem ajustados, facilmente etiquetáveis.
Agostinho da Silva
Felicidade e Alegria
Não creio que se possa definir o
homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver
feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio
do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se
como que indiferente a ser ou não ser feliz e ver até o que pode vir do
obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a
mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive
por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo
daquela alegria que se não quebra, daquela alegria serena que o leva a
interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens apesar do que
possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo
conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de
disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida.
Os felizes passam na vida como
viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os
que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo:
a implacabilidade, a cegueira, a inflexibilidade das leis mecânicas, que são
bem as representantes do Fado, e cuja grandeza verdadeira só se pode sentir bem
no desastre; é quando a catástrofe chega que a fatalidade se mede em tudo o que
tem de divino, e foi pena que não fosse esta a lição essencial que tivéssemos
tirado da tragédia grega; como pena foi que só tivéssemos olhado o fatalismo
dos árabes pelo seu lado superficial.
Por outra parte, é igualmente na
desgraça que se mede a outra grande força do mundo, a da liberdade do espírito,
que permite julgar o valor moral no desastre e permite superar, pelo seu
aproveitamento, o toque do fatal; não creio que Prometeu estivesse alguma vez
verdadeiramente encadeado: talvez o estivesse antes ou depois da prisão; mas
era realmente um espírito de liberdade e um portador de liberdade o que,
agrilhoado a montanha, se sentiu mais livre ainda; porque podia consentir ou não
no desastre, superá-lo ou não, ser alegre ou não. E este ser alegre não
significa de modo algum a alegria daquele tipo americano de «Quebre uma perna e
ria»; acho que eram muito mais alegres as pragas dos velhos soldados de
Napoleão. No fundo é o seguinte: é necessário, ajudando a realizar o homem no
que tem de melhor, que a mesma energia que se revelou pela física no mundo da
extensão, se revele pelo espírito no mundo do pensamento e domine a primeira
vaga de energia, como onda rolando sobre onda mais alto vai. E mais ainda: que
pelo momento de infelicidade, o que não poderá nunca suceder no caso da
felicidade, entenda o homem como as duas espécies ou os dois aspectos de
energia se reúnem em Deus. Só por costume social deveremos desejar a alguém que
seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças
ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a
desgraça e a sua superação.