segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Acordando

O inverno acaba, o pesadelo acaba. Tudo tem fim e então recomeço.
Quando passei os olhos no meu mapa astral no começo de 2014 vi o óbvio. Saturno na casa de Hades, me deixou gelada dos pés à cabeça. Eles, reforçados por quadraturas e oposições, me diziam que meu pai iria embora naquele ano. E não foi diferente. Saber sobre algo com antecedência não previne, no mínimo nos prepara mais amorosamente para o que o destino jogará no nosso colo, querendo ou sem querer. Ver meu pai partindo, em 90 dias de despedida, foi sentir na pele a dor ardida de Saturno, a profundidade e a escuridão, o vazio e o silêncio de Hades.
Uma atmosfera de maldade, de crueldade não me largava. E quando se está lá é melhor não voltar à luz antes de perceber o que é fundamental, sendo astróloga, psicóloga, jornalista ou nada disso. Há cinco meses ele se foi e talvez só agora eu consiga transformar esse momento em algumas miseráveis palavras, que estão muito aquém de qualquer descrição do acontecido. As semanas se foram, os meses se passaram e eu simplesmente não conseguia ouvir ou ajudar ninguém, como antes era de costume. A inspiração que sempre apareceu para mim como uma trovejada frequente e frenética de imagens e palavras desapareceu. E a vontade de acreditar no bem, no bom e no belo ficaram guardadas num lugar tão bem escondido que eu mesma não encontrava. A morte do outro é a morte de nós mesmos. Minha respiração parou, meu pulso secou. É tanta incompreensão que o único desejo é o de desacreditar deliberadamente em tudo. Foi por isso que me afastei meu amigos. Porque o luto existe, desde os tempos sem princípio, e ainda precisa ser respeitado e vivido como sempre foi.
No começo era só breu. Depois começaram lampejos, depois sonhos e um mundo de novas percepções a respeito da mesma "realidade". Agora já consigo lembrar de alguns momentos peculiares com alegria e saudade sadia.  Aí aos poucos as palavras voltam e o mundo se reconfigura. Só sei que quando é tempo de morte é melhor morrer. Porque quando é tempo de viver é preciso estar inteira de volta. E num processo muito natural a vida chama. O inverno acaba. Sem pressa!

Aline Maccari

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