Ninguém mais morre de banzo. Se eu for morar hoje na Nova Zelândia encontro Guaraná, Havaianas, Cachaça 51 e pão de queijo, diferentemente de quando morei lá em 2004. O mundo mudou rápido demais. Aqui e lá encontramos as mesmas coisas: Internet, Orkut, Skype, Facebook, Twitter, I Phone, I Pad... Aliás, se me colocarem dentro de um lugar fechado com minhas redes sociais e meu blog posso estar em qualquer lugar e sentir que estou em casa. Isso porque uma das atividades que me integra e traz um senso de familiaridade com a rotina, o lugar, o dia-a-dia é a troca com outros seres humanos, que se dá atualmente via uma pequena caixinha, do tamanho da metade da minha sola de sapato.
Dentro do ônibus, por exemplo, nos comunicamos todos assim. Eu com você aqui, via internet e o sujeito do Zimbábue, que pode sentar ao meu lado na cadeira, conversando com sua esposa e filhos lá na África. Não precisamos mais estar em lugar nenhum. Desafiamos todas as barreiras físicas e os cenários talvez já não façam a menor diferença para alguns. Outro dia assistia a um programa de viagens, desses de TV a cabo, e uma moça muito jovem passeava pelo Nepal. Sua beleza não despistava o desconforto que sentia.
Certamente ela preferia beber uma cerveja gelada com os amigos a beber chá amanteigado e comer carne de Yake com os nativos ao redor de uma fogueira no alto do Himalaia. De cá, da poltrona, eu me sentia muito mais lá que ela. Como carregamos a vida no smartphone ela agora é portátil. Aí paro e penso! O que será que aconteceria se o mundo virasse de cabeça para baixo e de repente não tivéssemos mais acesso a internet, se ficássemos sem celular?
Na verdade seria o mesmo questionamento que fizeram quando lançaram os celulares e ficamos reféns deles. A resposta é “a vida não voltaria a ser como antes”. Isso porque nos adestramos a usar a tal tecnologia e a nova geração simplesmente não sabe o que é não ter um celular a mão. Então, se ficássemos sem internet, não seria diferente. Ficaríamos todos perdidos, tentando buscar novos contatos. Acho que então teríamos que aprender a fazer uma coisa estranhíssima: bater na porta do vizinho em busca de ajuda e olhar no olho. Todo esse drama vivido no Japão e a entrada de Urano em Áries me faz refletir bastante. Quanto mais acumulamos bens materiais e mais a tecnologia avança, mais nos distanciamos dos outros seres humanos.
Eu não estou defendendo a volta ao tempo da luz de velas. Todo esse “nariz de cera” tem a ver com... “E aí? O que será quando tudo falhar e só houver a gente pra se virar?” Não sei a resposta! E todos nós podemos passar por isso em algum momento da vida. Para alguns será mais precisamente em dezembro de 2012. O que não vem ao caso. Mas gostaria de pintar dois quadros. O que Japão e Haiti têm em comum qualquer pré-adolescente minimamente conectado é capaz de responder. Mas o que os difere no que diz respeito a enfrentar grandes crises?
São países absolutamente diferentes, mas muito do que os difere ainda mais é a capacidade de re-significar a paisagem e as relações humanas em meio a um cenário desolador. Ambas as nações sofreram muito em suas histórias no passado. Mas houve algo construído e ensinado nesse meio tempo que fez toda a diferença no final desses episódios. A noção de nação, de senso de coletividade, de respeito com o outro, com as crianças e com os velhos, com a tradição e a cultura, salvou e salvará o Japão outra vez. A dignidade acima de tudo e o entendimento profundo e sereno de que episódios como esse fazem parte da vida também ajudará o Japão a se reerguer.
O trabalho em equipe, o sacrifício de um pelo grupo fez toda a diferença. O Haiti tem vivido há mais de um ano episódios violentos como ondas de saques, estupros e pandemia de doenças, principalmente o HIV/AIDS. E ainda que receba bilhões de dólares sua organização política é tão corrompida, corrupta, que nem em 20 anos chegará ao nível de reconstrução de seu senso de integridade enquanto nação, como o Japão certamente o fará em menos de 5 anos. Cuidar do espírito não garante apenas a salvação do sujeito, mas da espécie. Devemos agradecer aos japoneses por nos ensinarem a viver situações limite como fome, frio, sede e miséria, sem perder o que há de mais preciso a dignidade humana.
Aline Maccari