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Na estréia da Primavera em Brasília, Perséfone emergiu dos subterrâneos para dar o ar da graça. Forró de Vitrola na passarela da 111 Norte. |
A cidade arde, o corpo enfraquece, a vontade foge, o suor não pinga, o gosto entre nariz e boca é de sangue e todos os planos ficam em suspenso até que as cigarras comecem a cantar. O período que antecede a primavera, especialmente em Brasília, é de dar dó. Sentimos comiseração por nós mesmos, como se fôssemos o último calango sobre a Terra, fugindo da extinção. É por isso que comemoramos cada pingo. O primeiro vêm de fora, de Sobradinho, depois da Asa Sul e da Asa Norte. E a primeira chuva é uma lavação que dá gosto. Como se a última temporada tivesse acontecido dez anos atrás e não há 12 meses. A molecada ainda vai para a rua tomar banho de chuva, enquanto os marmanjos se divertem numa pelada. As mães contemplam o alívio e a volta dos tons. E a primavera, que é de fato um fenômeno, nos convence até a última flor que é a estação mais bela de todas, na "cidade parque", onde em menos de uma semana tudo muda de cor. Por aqui é como um milagre. A primavera é a primeira estação do ano, é quando nos parece que o ano se iniciou. A questão é que para nós é um pouco estranha a sensação de que o começo venha com o final de setembro, mas é essa a data de estreia da
Vênus, a deusa do amor e da beleza, planeta regente deste mês. Assim, o
mês de libra fala de recomeços, novas possibilidades. Por agora, no céu, os humores da
Lua em Aquário remetem a um sentimento fraterno, coletivo, onde todos podemos viver sentimentos parecidos, nos unindo em nome de algo maior que nós mesmos. Como numa cena que vi há dois dias. Como qualquer brasiliense me peguei vagando pelos espaços fartos da cidade, junto com os amigos, em busca de diversão. Até que uma muvuca numa passagem subterrânea me chama a atenção. Saltamos do carro, estacionado em lugar proibido é claro, e fomos espiar.
Se tem um lugar infernal em Brasília são as tais passagens subterrâneas que ligam as quadras do lado de cá às quadras do lado de lá. O lugar, abaixo da superfície, é o próprio templo de
Hades, o deus dos infernos, criado pelo urbanista e o arquiteto. Lá em baixo já aconteceu de tudo: roubo, estupro, assassinato. Já foi moradia dos excluídos, abrigo de bichos famintos. Era difícil escolher entre morrer ao sol, atropelado por um carro no Eixão ou na sombra subterrânea, sem testemunhas. Mas, de repente ouvimos músicas, risos, sentimos cheiro de incenso e o lugar que era escuro se iluminava cheio de flor nas paredes sobre a pintura branca e ainda fresca, com gente de toda idade e muito "
rastapé". O
"Forró de Vitrola" foi como a visita de
Perséfone, a deusa da primavera e esposa do Capeta, à superfície. Da discoteca montada no fundo do túnel o músico Cacai Nunes conseguiu reunir gente que não se via e não se tocava há muito tempo. O calor no interior da passagem era típico dos infernos, até que vinha ele sorrateiramente jogando talco nos pés dos dançarinos para ninguém perder o rebolado. E o suor que não pingava há meses deixou todos molhados, jovens e sensuais, como a Vênus tanto gosta. Encontramos velhos amigos, demos um novo significado ao lugar e percebemos a força de todos nós unidos num objetivo tão nobre: desfrutar a vida! E a estreia de Brasília nessa primavera foi assim: criativa, original, televisiva como Aquário manda. Colorida e perfumada como o mês anuncia. Depois dessa quero ver alguém inventar história melhor!