segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Viva a primavera!

Fagira, a agricultura de Uganda
Dizem que depois de uma longa viagem o corpo chega primeiro e só depois de algum tempo a alma volta ao seu lugar. E foi isso que aconteceu comigo. Depois de quase três meses na África e muitas histórias incríveis para contar eu volto para o Brasil. Mas na ânsia de descobrir o mundo, entendê-lo e descrevê-lo um pouco mais deixei-me espalhar pelos aeroportos entre o Quênia e o Marrocos, entre malas, vistos, imprevistos e encontros que vão deixar saudade e belas crônicas sobre a vida. Confesso, num primeiro momento, principalmente nos países árabes, pensar no céu de Zeus, Júpiter e Saturno, tomada pela cultura muçulmana deixou-me confusa e desarticulada, como se tivesse de fato ido a outro planeta com referenciais absolutamente distintos, irreconhecíveis. Mas aos poucos, entendendo a astrologia como um sistema, capaz de funcionar sob qualquer céu e a mitologia como uma herança que tem suas mesmas verdades em todas as culturas, foi ficando mais fácil perceber onde os deuses estavam e como se comportavam. Andando pela região rural de Uganda, próxima à capital Kampala, fui entrevistar uma família de agricultores. A esposa, Fagira, seu marido e seis filhos viviam com 50 dólares por ano. O valor de par de sapatos alimentava oito bocas por 365 dias. As crianças pareciam saídas do lixo. As roupas rasgadas, a falta de higiene e dignidade humanas me deixaram sem reação num primeiro momento. Sem falar a língua local, o swahili, resolvi me comunicar de uma forma capaz ir além das barreiras culturais, um diálogo de olhares e monossílabas, por meio dos olhos e da intenção. Em sua primeira abordagem Fagira havia ficado espantada com a beleza do anel que eu carregava no dedo e me pediu para vê-lo. Tirei, ela experimentou e com ela ficou. Achando graça e sem jeito, pedi que me devolvesse o anel de estimação e em troca dei a ela algo até mais chamativo, um bracelete dourado. Na mesma hora ela percebeu a validade da troca, engordou os olhos e vestiu a bijuteria. Até aquele ponto da reportagem ela não havia mostrados os brancos e grandes dentes. Depois da oferta ela se entregou como uma Afrodite que recebe um presente precioso e se envaidece. Foi quando encontrei uma Vênus perdida na África, uma Vênus negra. E a partir dalí tudo ficou mais claro. Os arquétipos eram os mesmos, só haviam mudado de cor e falavam dialetos irreconhecíveis. E o mundo com tantas caras e máscaras pareceu ser o mesmo em qualquer parte dele. Quando saí do Brasil nessa aventura por dez países da África era abril, o começo da primavera no hemisfério norte. Volto agora, primavera no hemisfério sul. Muitos pediram que eu voltasse a escrever antes, rápido, mas foi Fagira quem me fez perceber que minha motivação tem o tempo da beleza e da paz de espírito, o tempo dos planetas devidamente posicionados e em harmonia, que só agora se dispõem coerentemente, como apontam nos céus. Assim, tudo tem uma hora certa para acontecer. Sejamos todos bem vindos à mais bela estação do ano, a primavera! A partir de agora... tudo floresce novamente! Lembrando o quanto os deuses são generosos, já que temos direito a duas grandes estreias por ano.
Aline Maccari
21.09.2012

No clip a cantora Asha, de origem nigeriana, canta "porque não podemos ser felizes?". Ora, sejamos! Afinal é primavera! E tudo começa novamente.

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