sexta-feira, 24 de julho de 2020

Limpando o próprio trono

Diário da Astróloga: 24.07.20 | O aprimoramento pessoal passa necessariamente pelo aprimoramento espiritual, mas também social e coletivo. Não adianta fazer horas de yoga e ser vegano, se o sujeito continua a tratar mal os menos favorecidos. Quem pretende ser sua melhor versão precisa se esforçar para sê-lo de maneira integral e portanto coerente. Nestes dias de Lua em Virgem, que nos fala de aprimoramento e Sol em Leão, que nos remete à honradez e a dignidade, "ser melhor" passa necessariamente por este caminho. Curioso imaginar que o signo que se segue ao outro pode ser mais evoluído que o anterior.
Talvez por isso Leão possa aprender algo com Virgem. No humilde Virgem, o aperfeiçoamento tem várias facetas, entre elas o trabalho, a saúde e a limpeza.
Nestes tempos de pandemia tornou-se comum ver cenas de estrelas de cinema ou TV e mesmo simples mortais posando com máscaras, luvas e baldes com desinfetantes a limpar os próprios banheiros. Pois eu diria que esta certamente ficará marcada como algumas das imagens mais patéticas de 2020. Freud diz que a primeira criação humana é o coco. Eis a primeira grande obra de arte do sujeito, pois é aquilo que o próprio corpo é capaz de criar, elaborar e "entregar ao mundo". Por isso é tão importante cuidar da criança nas fases oral, anal e fálica. Porque no meio desse processo é quando ela reconhece a sua oferta e o valor dela. Também é por isso que às crianças não pode ser ensinado que suas fezes são o que há de pior no mundo, tão pouco o que há de melhor. A questão é que a nossa contribuição ao mundo será feita até os últimos dias das nossas vidas. Começa no coco do bebê, passa pelas brincadeiras, o aprendizado, o trabalho, as nossas contribuições públicas e sociais até na velhice nos darmos conta não apenas do melhor que oferecemos de nós mesmos ao planeta, mas também às merdas que deixamos pelo caminho. De modo que cuidar das própria sujeiras, excreções e obras primas tem valor pedagógico, de responsabilização e amadurecimento. No Brasil, muito cedo, aprendemos que alguém limpará nossas sujeiras por nós. E geralmente é uma pessoa de baixa qualificação, pobre, sem estudo e em sua maioria negra. Com todo o aprendizado herdado dos tempos da Colônia e do Império, compreendemos que é a senzala que limpa as sujeiras da Casa Grande. O historiador Laurentino Gomes conta em seu livro "Escravidão" a história dos Escravos Tigres. Eram homens trazidos da África que tinham como função carregar nos ombros vasos com dejetos humanos da casa até o mar, onde era despejados, uma vez que as casas da época não tinham banheiro. No trajeto, substâncias como amônia e uréia escorriam dos potes, manchando as costas desses homens que ganharam o apelido de Trigres justamente por causa da textura que lhes marcava a pele negra. E assim, passamos incólumes pelas gerações, sem nos darmos conta do mal cheiro literal e simbólico que deixamos pelo caminho. As fotos no banheiro, dos brancos carregando vassouras e baldes, é a imagem mais clara da tradição escravocrata brasileira que nunca nos abandonou. São imagens que pedem likes e aplausos pelo sujeito fazer aquilo que sempre deveria ter feito, com toda a honradez: limpar suas próprias merdas. Aliás, se o sujeito o fizesse como se faz em países onde há justiça social, saberia o quanto de suas contribuições ao mundo podem ser fétidas, injustas e mesmo ilegais em alguns casos. As populações marginalizadas do Brasil que cuidam dos excrementos brancos deveriam receber não apenas salários dignos pelo trabalho ingrato que realizam, mas o respeito e gratidão irrestritos daqueles que solicitam. Em hotéis e motéis é ainda mais bizarra a situação, pois não se vê o rosto de quem fará o serviço sujo. O sujeito usa as dependências daquele ambiente e muitas vezes completa: "deixe a sujeira aí que a arrumadeira limpa". Seria de se pensar que arrumadeira é essa, de onde ela vem, que nojos ela é obrigada a limpar e em seguida voltar para sua própria casa e ainda cuidar de todas as sujeiras de sua própria casa e família. O Brasil tem duas populações: uma desinfetada e outra a desinfetar. E este simples recorte de realidade poderia se tornar "a foto" para uma retrospectiva "Brasil Pandemia 2020".
Nós precisamos limpar as nossa merdas para compreendermos o tamanho das merdas que fazemos na vida. E enquanto limpamos o próprio sanitário aproveitamos para meditar sobre nossos próprios absurdos. Quem limpa a própria sujeira não humilha seu semelhante, porque é ao fazê-lo que se reconhece igual aos demais. Quem ambiciona alcançar a dignidade humana, a honradez, o orgulho próprio tão presentes em Leão, o signo da realeza, deve responsabilizar-se por todas as etapas da sua própria evolução, inclusive as que lhes parecem mais desprezíveis.
Aline Maccari Jornalista, Astróloga e Analista Junguiana
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CRÉDITOS: Vaso sanitário em ouro produzido pelo artista italiano Maurizio Cattelan 
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